Eu fiquei orgulhoso e, ao mesmo tempo,
preocupado. Preocupado porque, se a Copa é daqui a três anos, mil dias,
até menos, em 2014, daqui a quinze, vinte anos, os indicadores de
educação que nós temos hoje, transmitidos com base no Enem, são
trágicos. E aí vem o constrangimento, eu diria até certa vergonha, de
vermos que os recursos que nós temos para usar para fazer a Copa não são
usados para fazer a escola. Por que é que nós todos ficamos até
ufanistas, com alegria, mobilizados para realizar esses mil dias que
faltam para a Copa e não gastamos tempo necessário para analisarmos os
cinco, dez, quinze, vinte anos que faltam para que a
geração atual de crianças chegue à vida adulta preparada para enfrentar
os novos tempos?
Na mesma semana em que o Brasil comemora
os mil dias que faltam para a Copa do Mundo e mostra a pujança deste
País para construir tantos estádios gigantescos, belíssimos, a tragédia
da educação apresentada pelos indicadores do Enem passa quase
desapercebida. E, se se fala dele, é apenas com relação aos indicadores.
Nenhuma, nenhuma medida foi tomada visando corrigir isso para
resolver o problema da educação. Não vimos uma reunião de Ministérios,
não vimos uma reunião do Conselho da República, que é um conselho
previsto na Constituição para ser convocado em caso de risco que a Nação
atravesse. E a Nação está em risco diante dos resultados mostrados pelo
Enem. Nós não vemos mobilização para corrigir isso.
Nós vemos festas hoje porque faltam mil
dias para a Copa. Nós vemos pujança para a construção daquilo que é
preciso para a Copa no mesmo momento em que sai o resultado do Enem e em
que, em centenas de escolas, dezenas de milhares de professores estão
em greve, com as escolas paradas.
A gente não vê mobilização. A gente não
vê afã de corrigir isso. A gente não vê um esforço para fazer com a
educação brasileira o que fizemos, cinquenta anos atrás, para construir
esta cidade, Brasília, ou agora fazemos para construir os estádios da
Copa. E não só os estádios, e os trens que vão levar, e os aeroportos e
todas as obras necessárias.
Por que nosso País se envolve dessa
forma e usa sua força, sua pujança, para realizar uma coisa ótima,
fundamental, bonita, nobre e que nos entusiasma, que é a Copa do Mundo?
Nós não fazemos nem isto aqui para corrigir a situação da educação das
nossas crianças. Por quê? Onde foi que a formação nossa de brasileiros,
povo e líderes, errou? Onde foi que nos desviamos, a ponto de dizer tudo
o que é preciso para a Copa, nada do que é preciso para a escola? Onde é
que nós erramos? E o grave é que não seria difícil fazer para a
educação o que se está fazendo para a Copa, não em
três anos, não em mil dias; em mais tempo.
O próprio resultado do Enem permite
mostrar onde está a solução. Uma solução seria dizer: Vamos deixar
todas que todas as escolas sejam privadas porque elas são boas!. Só que
isso seria a solução para uma pequena minoria de pessoas que poderiam
pagar a educação de seus filhos; logo, essa não é a saída. A
privatização das telecomunicações resolveu dar um telefone a cada um. A
privatização da escola não resolverá porque as escolas custam caro.
Não há educação boa barata. É preciso o
povo brasileiro se convencer disso. Com menos de R$9 mil por ano para
cada aluno, não há como ter uma boa educação. E as escolas particulares
boas cobram R$12 mil por ano, algumas mais do que R$12 mil por ano. E
os pais ainda têm de fazer atividades extras de ginástica, caratê,
inglês, francês para poderem completar.
No Brasil, um jovem, até o final da sua
formação, custa mais ou menos R$250 mil de educação ao longo, digamos,
de vinte anos de escolaridade, dos 4 aos 24. Isso dá um valor muito
alto.
Nós não temos como pensar em educação
boa barata, mas é muito mais barato que manter na cadeia as pessoas que
não tiveram alternativas na vida e caíram no crime. Aliás, é mais barato
do que o que custa não ter dado educação, pela ineficiência, pelo
despreparo, pela incapacidade de inventar produtos novos que cheguem à
economia mundial, no lugar de continuarmos sendo produtores de bens
primários ou indústria mecânica antiga. Custa muito mais caro não dar
educação boa para todos que dar educação boa para todos.
E onde está a solução? Vejam o Enem. Se a
gente pega os resultados do Enem, a gente vê que, das cem melhores
escolas do Brasil... São 200 mil. Então, quando a gente pega cem, é
porque são as melhores, melhores, melhores mesmo. Dessas cem, nós
podemos dizer que treze são públicas. Treze são públicas.
É pouco, não é? Muito pouco. Mas o que é
interessante é que, dessas treze públicas, doze são
federais. Está aí a solução. A solução está em colocar escolas federais,
porque os municípios não têm condições, porque os Estados não têm
condições, só a União tem condições. Nós não podemos continuar
imaginando que vamos ter a solução para as nossas escolas a partir do
município.
Das trezentas primeiras escolas, 28 são
públicas. Dessas, 27 são federais. A solução está aí. A solução está em
ampliar o número de escolas federais neste País. A solução está em fazer
com que todas as escolas públicas deste País sejam federais, como o
Colégio Pedro II, como as escolas técnicas, como os institutos de
aplicação, como os colégios militares.
Quando a gente põe esse número aqui, a
gente não está dizendo que o número delas é pequeno. São apenas
trezentas escolas federais, entre algumas milhares de particulares,
entre centenas de milhares, porque são 200 mil no total das nossas
escolas.
E, isso é absolutamente
necessário porque o Enem não mostra a real dimensão da tragédia
educacional. Sabe por quê? Porque o Enem só mostra as notas baixíssimas
dos que terminaram o ensino médio. Os que não chegaram lá nem entram na
contabilidade e são 64% dos alunos. Imagine se a gente desse nota zero
a 64. A sessenta, e calculasse a média com as notas apenas de quarenta.
As notas desses quarenta já são baixas, as escolas já são reprovadas.
Agora, imagine se a gente colocasse cem, incluindo sessemta com nota
zero. A média caía para a metade. A nota ia ser três.
Aonde vai um país cujas notas médias das
escolas estão em três, de zero a dez? Aonde vai esse país? Vai para o
abismo do atraso, vai para o abismo da desigualdade. Porque nós sabemos
que, no mundo de hoje, o que define um país ser avançado ou atrasado é o
grau de educação de suas crianças, a qualidade das universidades que
essas crianças educadas provocam e a quantidade e competência dos
institutos de ciência e tecnologia que essas faculdades permitem. É esta
a cadeia: escola boa para todos, alguns muitos bons nas universidades e
os melhores ainda nos centros de ciência e tecnologia. O futuro vem
daí. Mas não é só o futuro que está ameaçado do ponto de vista
econômico. É o futuro do ponto de vista social, porque está provado que o
que causa desigualdade hoje é a desigualdade educacional. A
desigualdade social vem da desigualdade educacional.
Houve um tempo em que ser rico ou pobre
dependia de ter terra ou não ter terra. Quem tinha terra era rico. Quem
não tinha terra era pobre. Depois, houve um tempo em que ser rico ou ser
pobre dependia do capital, do dinheiro para investir em máquinas, em
equipamentos. Não é mais assim. Ser rico ou ser pobre hoje depende de
ter conhecimento ou não ter conhecimento.
Há exceções obviamente. Aqui e ali tem
um senhor que não estudou e que tira na loteria, mas é muito raro. Aqui e
ali tem um senhor ou uma senhora que estudou, cada um deles, e teve má
sorte na vida. Tem. Alguns até estudam muito e morrem antes do tempo,
mas aí é o acaso. Na média, o que faz uma pessoa ter sucesso ou não ter
sucesso é o grau de conhecimento que ela tem. E é isso que aproxima
socialmente a sociedade.
Aelson Barros