Várias coisas se poderia falar sobre a “Constituição Cidadã”, mas nosso
objetivo aqui é, além de comemorar a vitalidade democrática do regime
instaurado pela mesma, apontar-lhe algumas questões. A Constituição de 88 surgiu como fruto
da luta popular por Democracia – Diretas Já – e pelo fim da Ditadura
Militar que se estendera de 1964 a 1984. Seu texto possui inspirações nos mais modernos do mundo à época, a
Constituição de Portugal (1976) e a da Espanha (1978), que consagraram o
chamado “Estado Democrático de Direito”, uma superação de dois
paradigmas constitucionais, o Estado Liberal e o Estado de Bem-Estar –
superação que não significa rompimento, mas releitura dos mesmos. Apesar da inspiração, sempre é bom
lembrar que o texto aprovado pela Assembléia Nacional Constituinte não
foi o do Anteprojeto da “Comissão Afonso Arinos”, é dizer, uma comissão
de notáveis chegou a apresentar um anteprojeto, contudo,
preliminarmente, o mesmo foi colocado de lado e o texto foi realmente
“construído” na Assembléia, com a contribuição, inédita e marcante, de
“emendas populares”. Esse dado, da participação popular no processo
constituinte, é muito relevante: pela primeira vez em nossa história o
“povo” ajudou efetiva e diretamente a elaborar o texto constitucional. Mas apesar de sempre afirmarmos que o
poder constituinte faz “tabula rasa” do direito anterior – e não só do
direito, mas, formalmente, sabemos também do “Estado”, do “povo”, e até
de questões pitorescas como a língua (durante a Constituinte se discutiu
como deveria se chamar a língua que falamos no Brasil e acabou
prevalecendo a tradição) –, não obstante, o tempo cobra sua força; é
dizer, no processo constituinte elementos representativos do “ancién
régimen” estiveram presentes e são responsáveis pela dualidade que marca
a Constituição de 1988 entre os chamados “progressistas” e o “centrão”.
No texto final isso fica claro, por exemplo, quando a Constituição
afirma a “propriedade” como um direito fundamental e, logo em seguida,
diz que a “propriedade cumprirá sua função social”. Mas não foi apenas no texto. Apenas para
citar um exemplo, o peso de uma tradição autoritária e pouco
democrática e a (até então) irrelevância do Poder Legislativo (frente ao
Executivo) cobram seu preço em um Congresso Nacional (politicamente)
irresponsável, cujos membros (partidos e parlamentares), em sua maioria,
não têm ideais próprios e definidos – pelos quais se possa diferenciar o
partido “A” de “B” sobre o tema “X”. De outro lado, há uma “apatia” dos
cidadãos frente às questões públicas que é sumamente preocupante. Demos um salto civilizacional imenso com a Constituição de
1988 e isso tem se mostrado perceptível principalmente nos últimos anos.
Estamos construindo uma “cultura política democrática”; construímos a
ideia de “cidadão de direitos”, algo totalmente novo no Brasil; aos
poucos os velhos grilhões do obscurantismo e do
conservadorismo-autoritário se tornam rotos e, finalmente, somos mais
pluralistas e temos aprendido a reconhecer o direito e o valor do
pluralismo.
Aelson Barros
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