sábado, 13 de novembro de 2010

15 de Novembro

Estamos hoje aqui, comemorando, meus amigos, um das datas mais fundamentais da história do Pais, que eu diria que são: a Independência, a Abolição e a República. Essas são as três grandes datas, apesar de que nesse longo período outras datas importantes, embora menores, tenham acontecido.

Mas, como disse um velho amigo meu falta completar a República, que foi proclamada há 120 anos. E eu lembrei, Um grupo de brasileiros, liderados por Deodoro da Fonseca, do ponto de vista de estar à frente, e outros grandes brasileiros que estiveram por trás e que lutaram bravamente, politicamente, não foi preciso uma guerra civil, conseguiram que o Brasil deixasse de ser um império e se transformasse em uma república.
Foi um salto. Foi um salto porque, em 1822, diferentemente das outras repúblicas latino-americanas, o Brasil preferiu um grande acordo com Portugal e fez uma independência acordada, em que, em vez de termos uma república, colocando na presidência um brasileiro, nós tivemos um império, colocando na chefia do Estado Independente do Brasil o filho do monarca da metrópole que nos dominava. E isso tem sido uma característica da história do Brasil.
Esses acordos que têm a vantagem, a qualidade do chamado homem cordial, que é o brasileiro, de não derramarmos sangue para fazermos as nossas conquistas, mas têm também as desvantagens de não fazermos jamais as coisas completas. A Independência foi incompleta, a Abolição foi absolutamente incompleta, como o próprio patriarca dela previu, Joaquim Nabuco, ao reconhecer que não haveria jamais uma abolição sem a distribuição de terra aos adultos e sem a garantia de escola às crianças negras, e a República também. A República ficou incompleta, e a gente pode ver que até hoje ela não foi completada. Por um lado, temos coisas como o voto universal, o voto livre. Apesar de termos passado, ao longo desses 120 anos, mais de um período de autoritarismo em que não se podia votar livremente e um período antes, em que o voto era absolutamente manipulado, como foi na chamada Primeira República, naquele acordo Café com Leite, em que dois Estados dominavam o que gente pensava ser uma república. Além disso, ao longo desse tempo quase todo e depois eu explico porque quase, nós tivemos governos eleitos, mas eleitos pela elite, que escolhia os candidatos e para colocar no poder os filhos da elite. Porque a nossa República acabou com o Império, ela mandou o imperador para o exílio, mas ela manteve aqui uma elite e uma plebe. Ela manteve tanto uma elite separada da plebe que se nega até hoje a chamar o povo de povo, chama de povão, exatamente para diferenciar, porque a elite não podia mais se chamar de nobreza, passou a ser o povo.  Então ela não quis ter o mesmo nome para os pobres; passou a chamá-los de povão. E nós mantemos essa diferença, essa separação. Essa separação que está na escola; essa separação que está nos hospitais; essa separação que está no local onde compramos as coisas; essa separação que está na maneira como uns de nós olhamos para os outros, porque, se prestarmos atenção, a população, desprovida da alfabetização, deserdada da alfabetização, acho uma maneira melhor de chamar do que analfabeto, porque analfabeto parece que ele é o culpado; o culpado é quem não lhes deu a escola no momento certo a maneira como olham é mais para baixo do que com o peito levantado. É comum, no Brasil, quando você vê uma pessoa pobre sair de peito aberto, cabeça erguida, os outros chamarem de arrogante; mas não chamam de arrogante quando é um doutor que anda de cabeça erguida e peito para frente. Somos um País dividido, o que não é permitido em uma República. E como completar a República? Através das leis. Mas leis de que tipo? Primeira, a mais importante é o conjunto de leis que assegure oportunidades iguais para todos os brasileiros, o que não temos. Uma criança quando nasce no Brasil, chamado republicano, nós sabemos se vai ter um futuro ou se outro futuro. Claro que há exceções. Alguns daqueles que prevíamos que teriam um futuro glorioso terminam se perdendo no caminho; alguns daqueles que teriam um futuro desastroso terminam se encontrando no caminho. Mas, na média, na maior parte da nossa população, é perfeitamente possível dizer os que vão ter condições de uma boa vida, de um bom salário, de uma família organizada, os que vão ter condições de criar seus filhos com boas qualidades, e os que não vão ter. É perfeitamente possível desde o dia que nasce, como era no tempo do Império, onde existia nobreza e existia a plebe. A nobreza sabia-se que teria um futuro de nobre; a plebe teria um futuro de plebeu. O Brasil continua dando futuros de nobres e futuros de plebeus às pessoas conforme o nascimento. E a oportunidade igual, o lugar onde isso se constrói é na escola, e a República brasileira, em 120 anos, não conseguiu dar oportunidades iguais a todos os brasileiros. Durante algum tempo, sim, havia escolas públicas muito boas; mas não era para todos. Ao contrário. Pouquíssimos podiam entrar naquelas escolas, eram escolhidos pelo Imperador até para entrar no Colégio Pedro II. A escola era boa, mas era para poucos; os outros eram excluídos.
Com a urbanização, com o avanço da população, chegando à participação, foi preciso colocá-los todos na escola. O que fizemos? Abandonamos a escola pública para os pobres. Abandonamos no sentido de não dar os recursos, abandonamos no sentido de tolerarmos a má qualidade, sem reclamar inclusive dos responsáveis pela má qualidade, seja o governador, seja o prefeito, seja o professor, seja o pai, seja a mídia. Nós não nos preocupamos com isso. Deixamos que a escola fosse duas. Uma república não tem duas escolas. Uma república tem uma escola. Pode ter características diferentes, pode ter diferenças até de qualidade, mas não se pode dizer: esta é de um tipo e aquela é de outro. Pode até, sim, ter escola de propriedade privada e escola de propriedade pública, mas aí não é a escola que é diferente, é o regime de propriedade da escola. Mas, no Brasil, quando a gente fala em escola pública ou escola privada, a gente nem pensa no regime de propriedade da escola, a gente pensa na qualidade da escola, porque assumimos que a escola para as massas pobres era uma escola de faz-de-conta e que a escola para quem podia pagar era uma escola daqueles que, de fato, podem usufruir de um bom ensino. A consequência, é que hoje a diferença entre quanto se gasta, seja o Estado, seja o pai com a educação de uma criança, ao longo de sua vida, é de oitenta vezes. É a diferença entre a escola da população das classes altas e a escola da população das classes baixas. Um sistema escolar que tem uma diferença nos gastos de oitenta vezes entre uma parcela da sociedade e outra parcela não é o de uma República ainda. Nossa tarefa é completar a República.
Mas oportunidades não vêm só da escola. A oportunidade vem da saúde também. Não há República num país cujo atendimento médico tem forma tão diferenciada para uma parcela da população nobre e para outra parte da população plebeia. Não vamos dizer que vai ser sempre igualzinho, mas essa desigualdade que temos, desse tamanho que nós enfrentamos, não é uma característica republicana. Não é republicana a saúde brasileira, porque uma atende que impede quase de morrer, a outra não permite nem viver.Há uma diferença. Não precisa ter igualdade para ter República. Aliás, ao contrário, a República tem que se caracterizar pela tolerância com certo grau de desigualdade sim, porque a igualdade plena é autoritária, não tem o democratismo da República. Mas não é republicano um país que tem a desigualdade do Brasil.
Na política, é o lado mais republicano nosso, mesmo assim nós esperamos 110 anos quase para eleger um presidente que de fato viesse das camadas populares e tivesse sido coerente com essas camadas populares ao longo de toda sua história. Porque nós tivemos alguns Presidentes que vieram de camadas populares no Brasil, mas que se enobreceram pelo estudo, se enobreceram pela fortuna, se enobreceram pelas relações políticas com a elite. O Presidente Lula  se enobreceu pelas relações com a elite. Ele não precisou do enobrecimento no sentido até negativo de ter o seu diploma e nem o enobrecimento de abandonar os seus compromissos populares. Entretanto, é preciso dizer que, nos seus sete anos de Governo, o que ele fez para completar a República não foi o suficiente que nós tínhamos o direito de esperar, e ele próprio, em um desses dias, disse que era impossível porque no Brasil é preciso fazer aliança entre os santos e os demônios, para não usar, como ele disse, Jesus e Judas, porque, aí, é uma sacralidade que eu prefiro não usar. E ele, para governar, segundo ele e, aí, ele não completou, precisou se aliar àqueles que não fazem parte da sua concepção. Na verdade, ele não conseguiu se aliar apenas, ou não escolheu se aliar apenas com os republicanos e teve que se aliar com aqueles que não são republicanos, porque não lutam pelas oportunidades iguais, porque não lutam para que todos, neste País, se olhem com os olhos altos e o peito estufado. Manteve-se no Brasil o sentimento de inferioridade que temos com a maior parte da nossa população.
Para completar, Meus amigos, eu creio que para termos oportunidades iguais no mundo de hoje é preciso cuidar bem do meio ambiente, e nós não estamos cuidando do meio ambiente de uma forma republicana, porque estamos tratando o meio ambiente de uma forma que vai ameaçar as gerações futuras.
A República hoje não pode ser uma República para hoje. A República hoje tem que ser uma República para amanhã, incorporando todas as futuras gerações nos mesmos níveis, e isso não vai acontecer se continuarmos destruindo.
Finalmente, que República é essa que, 120 anos depois, ainda tem 14 milhões de cidadãos adultos que têm, inclusive, o direito de votar e não são capazes de reconhecer a própria bandeira republicana porque não sabem ler o Ordem e Progresso que temos escrito nela? Não é republicana a nossa bandeira enquanto ela não for reconhecida por todos. Portanto, essa bandeira que nós amamos não é republicana porque não quisemos erradicar o analfabetismo dos adultos brasileiros. Somos capazes de tolerar como algo natural, até nem percebendo o que estou dizendo, que 14 milhões não reconhecem a bandeira, porque, caso se mude a posição das letras do Ordem e Progresso, ele continua achando que é a mesma bandeira. Se escrever em inglês, em francês ou alemão, ele continua achando que é a mesma bandeira, e é até capaz de que a falta de letramento seja tão grande que, se escrever com alfabetos cirílicos da Rússia ou alfabetos árabes, eles vão continuar achando que é a mesma bandeira.
Por isso, o nosso papel é completar a República. Esse é o papel de todos. Esse é o papel! E esse papel começa na luta pela garantia de oportunidades iguais, que os nossos antepassados, líderes, não conseguiram trazer para nós.
Nesse dia, a gente tem de comemorar, porque foi, sim, um dos maiores saltos da história do Brasil, salto que já deveria ter sido dado em 1822, não devíamos ter precisado esperar 1889, mas demos em 1889. Vamos comemorar os 120 anos da República no dia 15, mas vamos lembrar o nosso compromisso de completar o que os outros não completaram, fazendo com que todos reconheçam a bandeira porque saibam ler; fazendo com que todos tenham a mesma oportunidade e se diferenciem pelo talento, pela vocação, pela persistência e não pela herança. Vamos fazer com que todos tenham direito a um sistema de saúde igualitário. Vamos fazer com que, neste País, todos nos olhemos como irmãos, irmanados pelo patriotismo de um mesmo país, e hoje isso só acontece, de fato, quando torcemos pela Seleção Brasileira de Futebol. No mais, estamos divididos e divididos não somos republicanos.
Era isso, Meus Amigos, que eu queria lembrar hoje. É um dia de festa, mas é um dia de reflexão e de compromissos. O papel de TODOS é completar a República. Essa é a resposta que eu dou aqui, hoje.

Aelson Barros

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