A greve foi um movimento articulado pelas oposições contra a posse do Governador Eugênio Barros, que era ligado a Vitorino Freire, “vitorioso” em eleições marcadas por denúncias de fraude. As Oposições Coligadas apresentaram como candidato Saturnino Bello, que rompeu com a situação em virtude de sua não indicação como candidato ao governo pelo vitorinismo. Aproveitando-se das dissidências abertas no seio do grupo dominante, as oposições vislumbraram em “Satú” Bello a possibilidade de finalmente alcançarem o governo estadual. (Assim como o Ex- Governador Jackon Lago). A campanha eleitoral de 1950 foi particularmente agitada e provocou forte interesse da população, pois, além dos cargos estaduais (governador, senador e deputados),
Contudo, o momento mais tenso se verificou em agosto de 1950, por ocasião da visita do governador de São Paulo, Adhemar de Barros, em campanha a favor de Getúlio Vargas. Contando com prestígio na cidade, Adhemar seria homenageado pelas Oposições, sedimentando o caminho de suas ambições futuras. No entanto, todas as atividades programadas pelas Oposições para recepcioná-lo foram sistematicamente sabotadas pelos governistas. Assim, o chefe de polícia proibiu a realização do comício na praça João Lisboa (tradicional local de concentração pública), obrigando a transferência do mesmo, à última hora, para a praça Deodoro, com o objetivo de esvaziar a manifestação. Além disso, a praça João Lisboa foi ocupada pela cavalaria e por soldados “com ordens de dissolver qualquer comício”.
A “sabotagem oficial” não ficou por aí, pois, quando Adhemar de Barros deu início ao seu discurso, a luz elétrica foi cortada, causando novos contratempos. Apesar de tudo, o comício foi realizado às escuras e debaixo de chuva fina, com o auxílio de um serviço de alto-falantes. Mas o pior ainda estava por vir, pois, terminado o comício, uma passeata oposicionista se formou em direção à praça João Lisboa. Nas proximidades desta, o cerco policial encurralou a passeata, obrigando Adhemar e os líderes oposicionistas a recuar. Mas os problemas não residiam propriamente nas eleições presidenciais, e sim nas atividades da “Universidade da Fraude”. Apenas numa noite, o TRE anulou cerca de 16 mil votos da capital (principal reduto oposicionista), permitindo que Eugênio Barros passasse à frente na apuração, o que deu início a uma prolongada disputa jurídica, com as Oposições defendendo a realização de eleições suplementares.
Entrementes, ocorreu a fatalidade que modificaria radicalmente o rumo dos acontecimentos: em 15 de janeiro de 1951, o candidato oposicionista, Saturnino Bello, sofreu um fulminante ataque cardíaco. A situação era inédita, não sendo prevista pelo Código Eleitoral, do que resultou a desconcertante decisão do TRE estadual: não seriam realizadas eleições suplementares, pois os eleitores não poderiam votar em candidato morto; logo, Eugênio Barros seria diplomado governador do Estado do Maranhão. Eis como operava a “Universidade da Fraude”, Pouco tempo depois, Eugênio Barros tomava posse (28 de fevereiro). Foi o estopim da “Rebelião do Maranhão”.
A cidade de São Luís tinha cansado de viver em paz. Em dois momentos, a capital ficou completamente paralisada numa greve geral. A Greve de 51 assumiu tal magnitude que reunia em suas manifestações diárias contingentes de, no mínimo, 3 a 4 mil pessoas na chamada “Praça da Liberdade” (praça João Lisboa ou Largo do Carmo, o centro político ludovicense). Dada a magnitude e riqueza das manifestações e da mobilização popular (incluindo trabalhadores, estudantes, setores da classe média, políticos e mesmo empresários), a capital recebeu, nessa ocasião, a alcunha de “Ilha Rebelde”, pois foi “uma manifestação violenta da população de São Luis contra os excessos da corrupção eleitoral, praticada no Estado”, até nos dias de hoje.
O desenrolar da greve foi caracterizado por inúmeros momentos de intensa mobilização e agitação popular. A 27 de fevereiro, a notícia da posse de Eugênio Barros desencadeou a primeira fase do movimento (de 27/02 a 14/03/1951). A multidão mobilizada na “Praça da Liberdade” começou um “quebra-quebra” no centro, cujos alvos foram aqueles espaços identificados com a situação no poder: residências de juízes do TRE foram depredadas, o jornal Diário de São Luís (porta-voz do vitorinismo) foi empastelado e incendiado, a Rádio Timbira (emissora oficial) foi atacada. Ao final do dia 28 houve confronto e tiroteio entre a multidão e soldados da Polícia Militar, resultando em inúmeros feridos e em um morto, inicio-se a “Campanha de Libertação”.
O agravamento da situação levou o governo federal a estabelecer a ocupação da capital por tropas do Exército. Inicialmente mobilizadas a pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para assegurar a posse do novo governador e garantir a ordem pública.
A greve provocou desabastecimento na cidade devido à escassez da oferta de alimentos, problemas no fornecimento de água e luz elétrica, além de sérios prejuízos a todas as atividades econômicas, abrindo a possibilidade de colapso total.
As Oposições proclamavam a continuidade da “Campanha de Libertação” do Maranhão a qualquer custo, ameaçando com a possibilidade de “intervenção federal ou guerra civil”. Já os vitorinistas procuravam assegurar os meios de garantir governabilidade a Eugênio Barros, disse: “Não sei se correrá sangue e se haverá muitas mortes. Eu próprio poderei tombar. Não deixarei, entretanto, o governo, sem que a isto me obrigue a Justiça Eleitoral”.
Ambas as facções estavam com as atenções voltadas para o Rio de Janeiro, pois, na impossibilidade de um entendimento entre governo e oposição, o problema deslocou-se para as altas esferas da República, quer à espera do julgamento do processo (recursos e diplomação) pelo TSE, quer discutindo alguma das várias soluções provisórias postas à mesa de negociações, quer aguardando uma tomada de decisão por parte de Vargas (em favor da intervenção federal ou da retirada das tropas).
Enquanto isso, repórteres e correspondentes de jornais, rádios e revistas chegavam do centro-sul do país para fazer a cobertura do “caso maranhense”. Até no estrangeiro ouviram-se “ecos dos acontecimentos de São Luís”, pois o Maranhão deu na Time! Duas matérias da revista norte-americana foram traduzidas e publicadas por O Imparcial, satisfazendo a “natural curiosidade” de seus leitores.
Vejamos o relato: “Brasil, Revolta no Norte. Os cidadãos da lânguida São Luís despertaram certa manhã da semana passada entre ruídos de brados, tiros e arrebentamento de vidros e peças de mobiliário, pois nesse dia o Estado se viu transformado em centro de uma sangrenta revolta em pequena escala. Depois de eleições conturbadas e da posse de um governador ilegítimo, irromperam na cidade violentas manifestações de rua, com incêndios, tiroteios e mortes, sendo declarada lei marcial. A coalizão oposicionista apelou para o Supremo Tribunal Eleitoral, no Rio de Janeiro. Já em São Luís, eclodiu uma greve geral. Mercearias e padarias – e até mesmo a pensão galante de Madame Maroca – foram rigorosamente fechadas”. (...)
Além destes tópicos, a imprensa nacional analisou outros. O espectro que se divisava no horizonte de todos era a eclosão da luta armada, pois assim afirmavam as lideranças oposicionistas em declarações “bombásticas” aos jornais do sul: “O povo está resolvido a morrer nas praças públicas, mesmo à fome” (Evandro Viana, político do PSP). Ou: “Iremos a tudo, à guerra civil inclusive” (Neiva Moreira). (...)
O governo Vargas optou por uma linha de ação de menor tensão, qual seja, a continuidade da “intervenção branca” (a ocupação militar), mesmo que constitucionalmente irregular, enquanto o Ministro da Justiça, Negrão de Lima, atuava incansavelmente como mediador entre as partes em busca de uma solução negociada. A “fórmula salvadora” (apenas temporariamente) consistiu no pedido de licença de Eugênio Barros (que viajou para o Rio de Janeiro), com o que assumiria em seu lugar o presidente da Assembléia Legislativa, deputado César Aboud (PST), ligado ao vitorinismo mas com livre trânsito nas hostes oposicionistas. Formando um governo de coalizão (15/03/1951), César Aboud governaria o Estado enquanto a decisão final da crise não fosse tomada, com o julgamento dos recursos das Oposições pelo Tribunal Superior Eleitoral. Teve início, assim, uma batalha jurídica que se estendeu até o dia 3 de setembro, quando, por unanimidade de votos, o TSE reconheceu a legitimidade da diplomação de Eugênio Barros. (...)
A “garantia da ordem” na chegada do governador [do Rio] ficou a cargo da Polícia Militar, a qual organizou a recepção no aeroporto, ocupando ainda toda a área em volta do Palácio dos Leões. Nesse ínterim, a população se concentrava no Largo do Carmo, sendo concitada pelas Oposições a não permitir o retorno de Eugênio Barros. O confronto foi inevitável, com pancadaria, tiroteio e mortes, dando início à segunda fase da “Greve de 51” (de 18/09 a 08/10). (...)
A militante comunista Maria Aragão foi presa e enquadrada na Lei de Segurança Nacional sob a acusação de fomentar incêndios; sem culpa formalizada, a médica permaneceu presa entre 5 de outubro e o Natal de 1951, pois foi a única excluída da anistia dada pelo governador aos oposicionistas após o término da greve. Em suas memórias, a líder do PCB narrou a discussão com o chefe de polícia por ocasião da prisão: “Ele disse que eu estava tocando fogo nas casas e eu o desmoralizei, dizendo que todo mundo sabia ser o governo que mandava fazer isso, como forma de vingança contra a greve e contra o repúdio que o povo lhe devotava”. (...)
Paralelamente às ações da oposição, Eugênio Barros procurava desarticular a greve geral, buscando entendimentos com lideranças sindicais e propondo um governo de coalizão com os partidos coligados, através da oferta de cargos em seu secretariado e outras benesses. O governador também autorizou a Prefeitura a proceder a levantamentos dos prejuízos causados pelos incêndios, abrindo as portas do Palácio dos Leões para receber as vítimas e prestar-lhes ajuda financeira. A tática de esvaziamento da luta oposicionista foi aos poucos produzindo resultados, pois “o desespero e a fome que invadiram os lares pobres não permitiam mais à população ficar vivendo ao sabor de um movimento que parecia não ter fim”. Com o prolongamento da greve, “o povo dava mostras de exaustão e de impaciência”. (...)
Objetivos mais imediatos do governo federal foram levados em consideração na resolução do “caso maranhense”. Em correspondência enviada ao presidente, datada de 26 de março de 1952, Eugênio Barros expôs às claras as bases do acordo Vargas/vitorinismo. Em sua carta, o governador reafirmou “o compromisso de apoiar, intransigentemente, o seu governo [Vargas] e seguir a sua orientação política, o que faço com o lastro do firme apoio da quase totalidade dos municípios do Estado”. Ademais, lembrou, foi em virtude de sua recomendação pessoal que a bancada do PST (composta de 2 senadores e 10 deputados) assinou o “acordo parlamentar” de apoio ao governo federal. Eugênio terminou a missiva evocando a sabedoria “franciscana”. Assim, solicitou apoio para “a obra de restauração e soerguimento do Maranhão”, para o que seria necessário dispor dos “postos federais” no estado, visando dinamizar as atividades da administração local, conciliando as duas esferas de poder.
Estavam criadas as condições de “pacificação” do Maranhão, com o término da greve geral. Na tarde do dia 4 de outubro, o ministro da Justiça enviou um despacho ao governador, informando-o da resolução finalmente tomada. Diante das “reiteradas declarações de V. Ex.ª de que não existem motivos para a intervenção federal” e de que “se acha V. Exa. habilitado, com os próprios recursos do governo estadual, a manter a ordem e a tranqüilidade públicas”, o governo transmitiu ordens ao comandante da 10ª Região Militar “para assentar com V. Ex.ª as medidas que concretizem aquele objetivo, retirando-se as tropas federais do policiamento da cidade”.
Assim, na manhã do dia 5, sexta-feira, a cidade despertou ocupada pela polícia militar, tendo a guarnição federal se recolhido durante a madrugada. No fim de semana, a imprensa ainda registrou alguns incidentes, pequenos incêndios e muitos boatos – mas nada que confirmasse os prognósticos pessimistas dos que falavam em novos conflitos e agitações em grande escala.
Na segunda-feira, 8 de outubro de 1951, o cotidiano da capital estava plenamente restaurado. São Luís do Maranhão voltava a conviver com “a paz justa e democrática”. Sem a intervenção federal, a continuidade do movimento oposicionista tornou-se insustentável.
No Jornal do Povo, alguns dias depois, Neiva Moreira fez um balanço do pós-greve, afirmando que, apesar dos objetivos não terem sido alcançados, houve um avanço considerável “na formação de uma nova consciência de força popular e de um núcleo de resistência que tem feito os prepotentes mudar de rumos e atenuar a arbitrariedade”. Pois, apesar de tudo, no decorrer da greve foram sedimentados os eixos do discurso oposicionista: o combate à fraude eleitoral e à corrupção administrativa, preconizando a libertação do Maranhão do jugo opressivo da oligarquia de Vitorino Freire. Sem dramaticidade e heroísmo, o cordel de “Zé Pequeno” [José Ribamar Bogéa, fundador do Jornal Pequeno] abordou os últimos dias do movimento